Projeto coordenado pelo prof. Marcio Tavares d'Amaral e vinculado ao IDEA - Programa de Estudos Avançados/ECO-UFRJ

Segundo tempo!

Foi um jogo histórico. Mostrou um equilíbrio insuspeitado

* Leia no site dO Globo ou abaixo (04/03/2017)

Desconstrução para Desprezo de Deus. Fim dos Fundamentos e Cientista Formalista vêm apoiar o ataque. Dois demolidores, um estrategista e um calculador. Só três no nosso meio de campo. No intervalo tirei Sócrates e botei Santo Agostinho. Risco calculado. Santo Agostinho, na juventude, fora maniqueísta, julgador de bem e mal. Superou esse desvio, mas ainda conhece as técnicas. E acredita que o resultado do jogo vem da Graça de Deus. Numa partida dessas, não é um mau trunfo.

Santo Agostinho, Aristóteles e Pascal vão receber a trombada do primeiro ataque. Desconstrução e Desprezo de Deus. Fim dos Fundamentos corre pela direita. Aristóteles está lá. Se há quem Fim dos Fundamentos odeie é Aristóteles. Foi ele que criou a ideia de que nada se sustenta sem raiz. Tudo tem causa. Fim dos Fundamentos é o campeão do acaso. Desprezo de Deus abre para ele. Aristóteles não corre. Marca por zona. Fim dos Fundamentos não entende, avança direto sobre o adversário e é desarmado. Simula falta. O juiz não dá. Nesse caso, nem convicção nem provas. Aristóteles, mestre da distribuição, vê Pascal solto pela esquerda. Quase impedido. Recebe ao mesmo tempo a bola e o sarrafo de Espírito de Sistema. Cai, gemendo. O juiz finge que não vê. Está atento ao Twitter. Pascal se levanta. Está acostumado. Enxerga Foucault embolado com Campeão do Perspectivismo, que, sem o apoio de Fim dos Fundamentos, erra o ponto de vista. Foucault passa. Tem bom ângulo. Chuta forte. Morte do Sujeito, bem plantado, pega. E muito rapidamente liga o ataque com Fatos Alternativos.

A estrela ascendente do time avança em grande velocidade. Faz gestos obscenos para a imprensa. Pega Heidegger maldosamente, falta clara. O juiz estava no Instagram. Segue o jogo. Fatos Alternativos tromba com Sêneca, que é gentil e não viu a maldade chegando. Sêneca no chão. Defesa aberta. Fatos Alternativos dá um toquinho para Desprezo de Deus enfiado na defesa, que passa por Santo Agostinho e mete uma bomba. Beda, o Venerável, nem vai nela. E é gol. Os Não-verdadeiros urram. Os da Verdade se abatem. Grito do lado do campo. Ainda tem muito jogo! E boto Nietzsche de volta. Preciso do martelo no ataque.

3 x 2. Saída clássica da Seleção da Verdade: dois céticos na frente. Nietzsche para Foucault. Para Nietzsche. Na lateral esquerda, para Heráclito, que dribla ao mesmo tempo nas duas direções, deixa Campeão do Perspectivismo estatelado e mete para Platão. Derrubado na entrada da área. O juiz não viu. Fatos Alternativos pega a bola espirrada e faz um pique do campo inteiro. Na corrida passa por Nietzsche, por Heidegger, por Santo Agostinho e por Sêneca. Como um trator. E entra com bola e tudo. É seu famoso trump. Um gol de desrespeito. É o homem da hora. 3 x 3.

Aproveito a pausa para a euforia (o juiz está de costas acompanhando o jogo pelo Facebook) para tomar uma decisão radical. Tiro Beda, O Venerável, e ponho Aristóteles no gol. E para distribuir no meio de campo chamo Marx. Marx entrou na última convocação, no lugar de Montaigne, contundido. Pode combinar com Heráclito, também amigo das contradições. E apoiar Foucault. Nietzsche não gosta dele. Passo instruções enfatizando a gravidade da hora. Fazem que sim com a cabeça.

Nietzsche para Foucault. Para Marx, que explora bem a contradição entre Campeão do Perspectivismo e Pós-Fatos, encontra Heráclito, que faz um corta-luz com Foucault, sobra para Nietzsche, Marx está pelo meio, recebe e põe na esquerda de Morte do Sujeito. Com classe. 4 x 3.

Bola no centro. Desconstrução para Desprezo de Deus. Sarrafo em Pascal. Sarrafo em Sêneca. Entrada violenta em Santo Agostinho. O juiz finalmente cai na real e marca. Heidegger bate, chute longo. Campeão do Perspectivismo cede a lateral. Tiro Pascal e ponho Kierkegaaard. Preciso de alguém para encarar Desprezo de Deus. Kierkegaard é o filósofo da fé.

Da lateral, Fim dos Fundamentos para Desprezo de Deus. Que não encontra ninguém livre e avança. Kierkegaard desarma. Nem se despenteia. Encosta para Santo Agostinho, que aposta na Graça: se chegar em Marx ou Heráclito, com Nietzsche em velocidade por fora, é meio gol. Pós-Fatos corta. E vê Aristóteles avançado. Enfia para Fatos Alternativos, ele para Fim dos Fundamentos, para Desprezo de Deus, e é gol. 4 x 4. Ainda dá para virar. Foucault corre para o centro. E o juiz antecipa o fim da partida. Cercado pelos jogadores, seu avatar desaparece. Os Verdadeiros estão satisfeitos, com o empate vão para a segunda divisão. Mostram que estão vivos. Os da Pós-verdade se enfurecem. Partem para a violência. No campo e fora do estádio. Avaliam o empate como derrota. Não têm argumentos, não é o seu forte. Metem porrada.

Foi um jogo histórico. Mostrou um equilíbrio insuspeitado. Quem quiser saber mais, vá ler a crônica dos jornais. Melhor escolher a de sábado.