Uma estrela tão brilhante sobre o estábulo? Estrelas não brilham sobre estábulos. O que há lá? Um burro, um boi, umas ferramentas de rasgar a terra. Estrelas não brilham sobre coisas de trabalho, usadas, velhas, pobres, as de todos os dias. Todos os dias é um tempo comum. Estrelas marcam tempos comuns? E essa é tão baixa! E está sobre um estábulo. Aponta para a casa do burro e do boi. Se eu não fosse ignorante nessas coisas tão altas diria: “Sua luz há de ser vista no mundo inteiro”. Mas não deve ser. Tão baixinha, perto do nosso chão... Veio para nós. Mas o que somos nós, que nosso estábulo mereça uma estrela? Pastores pobres, gente de nada. Mas vamos para lá. Temos medo. Levamos nossas ovelhas para que fiquem perto de nós. Na frente vai o cordeiro mais branco, o do sacrifício. Mesmo ele vai.
Esse mês é frio. O boi e o burro têm sua forragem para se esquentarem. Mas aqui fora gela. Uma noite bem comum. Aconteceu alguma coisa nesse dia, no passado que se conta no Livro? Não sei. Mas o Livro vai ter de registrar que nessa noite aconteceu. E estamos presentes para ver. Nossas ovelhas se assustam com esse extraordinário. E o cordeiro branco dedicado ao nosso Deus. O cordeiro de Deus. Assustados vamos todos. Agora chegamos ao estábulo sobre o qual brilha a luz. Uma claridade enorme. Uma estrela tão perto... Lá dentro há também uma luz. Pequena. Mas para quê o burro e o boi precisariam de luz?
Um dos nossos foi olhar. Tem um casal. E um menino! Ontem passou mesmo por aqui um casal. Ela ia grávida, e a Hora tinha chegado. Por que penso assim: a Hora? Todos os dias há partos em Belém. Mas esse, no estábulo... O que tem de mais? O menino. Quem foi lá ver disse que ele também brilha. Um menino que brilha! A hora dele não é comum.
Por que meus joelhos amolecem? Querem que eu me ajoelhe. Meu coração está estranho. Tão pacífico. E meus joelhos pedem que eu desça da minha altura para perto do chão. Não faço assim na sinagoga. — Por que pensei na sinagoga? Aqui não está o Livro. Mas sinto que alguma coisa está sendo escrita, que não é das que se leem. Tem a ver com o menino que brilha.
Vou olhar também. Não por curiosidade. Vou porque tem algo muito extraordinário acontecendo, e eu estou aqui. Quer dizer... — posso pensar essa coisa enorme? — isso acontece para mim. Que sou um pastor pobre de Belém. Como pode ser que tenha essa certeza? Mas tenho. Alguma coisa, que rompeu a noite, brilhou sobre o meu espírito. Eu sei. Ninguém que não viu vai acreditar. Tão extraordinário. Mas veio para mim.
Lá está o menino deitado no coxo onde comem o burro e o boi. Nem se importa. Brilha. Esse menino é todo feito de paz. Sua mãe e seu pai o olham diferente de outros pais e mães quando recebem seus meninos. Há reverência nos seus olhos e na sua posição. Reverência e doçura. O menino é doce. Mas há nele alguma coisa especial. Como se fosse um rei que não quer a realeza. O menino vai crescer como um homem comum. Mas prodigioso. Como um desses que andam curando pessoas. — Por que penso isso? É só um menino. É verdade que dele brilha de leve, sem se impor aos olhos, uma luz de grande serenidade. Mas não posso pensar nele como alguém que realiza prodígios. Isso são coisas que não sei. Nem devo pensar. Pensar, agora, vai me afastar dele. Devo aceitar o que meus joelhos me pedem, pôr-me por terra e adorar.
Adorar? Esse é o sentimento de quem se aproxima de Deus! Esse menino... esse menino... Por que não consigo dizer: “não é Deus”? Esse menino não é Deus. E no entanto meus joelhos me curvam, e é delicada essa reverência. Não tem a dureza da submissão. Sinto-me bem aqui, rente ao chão. Na altura da manjedoura. Como se fôssemos iguais. Imaginem! Eu não brilho. Ou brilho? Que sensação assustadora! Nessa noite, sob a estrela, começo a suspeitar de coisas que não sei! Mas estão acontecendo para mim. Para um pastor pobre. — Onde está minha ovelha? Perdeu-se. Deixem que se perca. Voltará.
“Kavod há-Shem”, ouço no céu claro da estrela! Kavod há-Shem... É hebraico. Um pouco eu compreendo. Tem a ver com a luz... o que aparece na luz... a glória da luz... do Nome... Não posso dizer o Nome. Mas é o que estou ouvindo. Como da boca de um anjo. “Glória de Deus, Glória a Deus”. Aqui embaixo, de joelhos, queremos ouvir essa palavra imensa. Somos homens e mulheres de boa vontade, estamos aqui em boa fé. Glória a Deus, homens de boa vontade. Podia ser isso. Que doçura se o anjo estivesse dizendo, na sua voz de música: “Glória a Deus, e paz aos homens e mulheres de boa vontade”!
Que coisa maravilhosa seria... a paz! Se essa fosse a noite da Paz. Pode ser que não. Ouvi demais? Mas meu coração diz que sim. A felicidade que entrou nele me diz que essa é a noite da Paz. E que virá de novo. E para sempre será.