Diz-se que um santo triste é um triste santo. É um jogo de palavras, talvez indique alguma coisa que não sabemos a respeito dessas pessoas que têm o difícil trabalho de representar junto de Deus a santidade da humanidade inteira. Quando Jesus esteve entre nós elevou ao divino a nossa natural imperfeição. Ele acreditou nisso. Nós é que não. Os que chamamos “santos” são os que não têm dúvida. Vão pela porta estreita. Redimem nossa falta de coragem moral. De modo que um santo triste não é um triste santo. Um santo triste é a própria tristeza de Deus.
Há tempos montei aqui uma trupe maltrapilha para lutar contra a tristeza de Deus. Ele, que se mostrou como brisa leve, talvez tenha dificuldades com o nosso ar sufocante. Devíamos estar profundamente perturbados por essa saturação. Pela maneira irresponsável com que tratamos, hoje, a vida e o mundo. Mas parece que vamos bem excitados pelas possibilidades ilimitadas de ter coisas, de gozarmos de todos os prazeres para sermos felizes. Felizes? Não conseguimos olhar em volta? Ver a navegação desesperada dos povos da água? A tristeza raivosa das velhinhas na chuva, acusando-nos pelo confinamento em que as pusemos nos acampamentos da miséria? Não temos olhos para a horrível pobreza da vida atirada no lixo, vivendo do lixo? — Andei chamando os meus filósofos para nos fazerem entender. Está difícil para eles. Talvez seja a hora de os místicos, que também alistei, tentarem seu gesto de claridade. Por isso pensei nos santos. Que, desconfio, andam tristes.
Os místicos olham para o mundo de maneira extraordinária. Não o veem para fora, com os olhos da cara. Fecham os olhos. Veem dentro de si mesmos o que vai dentro do mundo. Fazem com essa visão coisas que nossas línguas pobres chamam de milagres. E dizem coisas que nossos ouvidos ruidosos não conseguem entender. Falam a língua da ternura de Deus. Pensamos que é poesia, comparamos seus ditos com os dos outros poetas, e dizemos: é bom! E pronto. Está entendido. Não, não está. Passou por fora do nosso ouvido profundo. Mas alguns compreendem. E tentam dizer a quem não soube ouvir. Aos mais pobres dos pobres, os que não ouvem o som da ternura de Deus. Os santos tentam fazer isso por nós. E em troca os veneramos. Fazemos imagens deles. E, postos para fora, diante de nós como qualquer outra coisa, esquecemos seu trabalho amoroso. Tanto esforço para nos lembrarem da santidade a que fomos convidados! — Mas insistem. Só me pergunto se hoje os olhos que se voltam para dentro, para ver o mundo mais verdadeiro, não estarão nublados de lágrimas. Se a tristeza não se deposita nesses olhos abertos sobre o que está aquém e além das coisas, do mundo imediato e sem relevo em que nos agrada viver, sem saudades de Deus. Se a tristeza de Deus não traz cegueira ao mundo.
Santo Tomás, o dominicano que viu a procissão dos anjos, era grande de corpulência. E, fora das suas aulas, um homem silencioso. Olhava para Deus para ver melhor o mundo. Seus confrades lhe botaram o apelido de “grande boi mudo”. E um dia resolveram lhe pregar uma peça. Entraram na sua cela gritando que tinham visto um boi que voava! O santo correu para ver essa maravilha. E os irmãos zombaram de tamanha ingenuidade. Tomás ficou triste. Preferia acreditar que um boi voasse a admitir que seus irmãos mentissem. — Pobre Tomás! Quantos bois contaria hoje no nosso céu! Ainda acreditaria numa humanidade que ama — devia amar — a verdade?
São Francisco, o pobrezinho de Assis, que rezava cantando pelas estradas da Úmbria, fundou uma ordem para reunir os que fossem capazes de ver a alegria de Deus, e viver com essa avalanche de ternura sobre toda a criação. Homens, mulheres, bichos, tudo se mistura na luz da alegria de Deus. Até a morte, a irmã morte. — Lá um dia alguns dos seus irmãos, que certamente se consideravam “realistas”, decidiram que era muita santidade para estar à frente de uma casa que precisava de dinheiro para cumprir sua missão. A pobreza voluntária, pensavam, não mantém uma instituição de pé. E deram um golpe de estado. Derrubaram o santo, tomaram o poder na Ordem dos mendicantes. São Francisco se exilou no monte Subiaco, nas grutas em que gostava de cantar à face de Deus. Queimou toda a tristeza. E voltou, de alma nova como são novas as manhãs. Amanheceu de novo a comunidade que criara. Morreu em paz. — Voltaria hoje? Conseguiria queimar todas as suas lágrimas, para ver de novo, ouvir de novo a brisa suave na voz dos seus passarinhos? Permitiríamos que voltasse? Talvez preferíssemos deixá-lo no seu exílio. A alegria de Deus nos pesa, hoje. Parece uma loucura com a qual não sabemos lidar. Não há remédio para ela.
Precisamos com urgência assustada cuidar da tristeza dos santos. Da insuportável tristeza de Deus.