Projeto coordenado pelo prof. Marcio Tavares d'Amaral e vinculado ao IDEA - Programa de Estudos Avançados/ECO-UFRJ

Visita de páscoa

Por Paulo Blank (pesquisador integrante do Projeto História Filosofia Religião: Interfaces e Conversações)

Dia de chuva, céu de nuvens negras sem internet e o telefone mudo em plena Sexta Feira da Paixão. Fatos corriqueiros em se tratando do clima outonal e de Petrópolis. Descrente da possibilidade de restaurar a nossa conexão num dia de feriado, dei de cara com o carro da empresa provedora estacionado na calçada em frente. Corri saudando o funcionário como quem avista o salvador. Se desculpando, ele avisou que tinha vindo por causa de outra chamada.

Insisti. Pedi que tentasse. Ele respondeu que, infelizmente, só entendia de conexões externas. Supliquei. Sorridente, disse que não podia fazer milagres Foi aí que Andrea se aproximou profetizando problemas e soluções. De tanto pedir socorro à prestadora de serviço, ela tinha se convertido em técnica laica. Cativado pela surpresa, o homem de sorriso doce decidiu sair em busca de algum terminal danificado. Passado um tempo ele ressurgiu com a boa nova: o problema estava resolvido.

Tomando um café fresco, nosso salvador conversava na cozinha enquanto eu corria pela casa cumprindo ordens da Andrea, que tinha assumido a responsabilidade pela redenção da internet interrompida. Passando diante da porta ouvi minha mulher dizer ao visitante que eu era judeu e entendia daquele assunto. O homem de macacão, capacete de plástico verde, encostado na pia, explicava que a origem da Páscoa estava no Pessach dos judeus.

Começamos falando da Torá, a Bíblia hebraica que ele chamou pelo nome. Disse que desconfiava das traduções. Tanto da católica quanto da sua. Era pastor pentecostal. Perguntou-me o significado do nome de Deus. Mostrei-lhe no texto hebraico os vários nomes e seus múltiplos sentidos. Diferentes revelações das Suas potencialidades vistas pela ótica humana. Apoiados no mármore da pia, comendo uma Matzá, o pão ázimo que lhe ofereci,a conversa corria solta até que percebemos que a tarde escurecia e ele precisava partir. No portão estendeu-me a mão, os dedos de pele grossa marcados pelo trabalho. Relembrou-me que voltaria para pegar uma Bíblia bilíngue que eu tinha prometido, e completou dizendo que era Paulo. Pensei que eu tinha me enganado. Seu nome não era Ricardo? Sorriso matreiro no rosto, ele completou sem soltar a minha mão.

- Vou ser o seu Paulo e o senhor o meu Gamaliel.

Tive que rir, o Rabino Gamaliel tinha sido professor do apóstolo. Quando entrei, vi que a nossa vizinha já tinha refeito as conexões, recetado o modem, reprogramado a televisão. Admirado com toda aquela movimentação inesperada, me lembrei da pergunta daquele salmo: de onde virá Hochmá, a Sabedoria? Vai entender onde ela escolhe hora e lugar de se revelar.